Dentre todos os venenos que já provei,
dos mais doces aos amargos
impera a tua saliva que entre rabiscos e afagos
ainda me engana.
- Dentre todas as armadilhas são sim tuas artimanhas
que me selam a voz e a minha respiração
atravessam a garganta e me saltam os olhos
me roubam o sorriso e me soterram na introspecção.
Tag: Poesia
NÁUSEA
Eu vomito palavras isso sim, vômito que palavra mais feia... mas quem foi que disse que só existem palavras bonitas Eu vomito filosofia Mas tem que ser das bem baratas porque como eu disse eu as vomito e eu costumo vomitar com frequência Eu também vomito traços, desenhos, rabiscos... Mas como era de se esperar, em sua maioria sujos... obscenos ...Coisas do cotidiano Mas eu não faço só expelir na vida há mais do que se botar pra fora Sobretudo para expurgar é preciso antes consumir ... e eu consumo Consumo a sua gramática, sua religião, suas onomatopeias sexuais (gentilmente) rotuladas como música. Eu consumo suas imagens motivacionais e principalmente o seu vazio aquele nauseado, instalado silenciosamente no canto. Eu os consumo Eu consumo você, querendo ou não... eu e você Por isso eu vomito e vomito tanto.
SUFOCO
Quantos pedidos de socorro são necessários para resgatar um homem do próprio abismo? Quantos deuses, preces, selfies ou livros? Quantas juras de amor, abraços ou ofertas de amizade? E o que dizer da arte em todo seu embuste? Sua afetação... Pode um quadro, uma foto, melodia ou verso bordar com nexo tão suntuoso abismo? Quanta filosofia é necessária pra tornar ao menos suportável todo o azedume dessa efêmera, porém dolorosa passagem do homem pelo mundo? Por fim vos pergunto, com a devida licença dessa barata metafísica: Quanta vida é necessária para que eu deixe de ver na morte o refrigério do mundo?
ESPECTRO
a minha alegria é falsa tão falsa quanto posso colorir meus olhos olhos de vidro se o poeta é aquele que turva as águas para que pareçam mais profundas o que dizer de alguém que obscurece toda uma vida enfeita o passado pra se afogar no próprio niilismo creio hoje que todos os olhos são vidro alguns refletem o próprio vazio e outros tantos optam pela palidez alheia mas enfim, vazios ocos pela própria vagueza da existência ou pela infindável limitação criativa intrínseca em mim eu voyuer da vida, voyeur de vidro voyeur de mim.
REVERSO
Do sabor lascivo que me embota a boca ao calor furtivo que me ata à forca Há um intervalo frijo à cercar roca tecendo o fino fio dessa existência oca /--------------/ São rajadas que me escapam pelos olhos embrazados como dois sóis, flagelo do que vejo Mas escondem águas mornas que não encantam, indigno ensejo Já não sei se sou a fúria plástica que ama o próprio desejo ou uma criança cega desejando tudo que vejo.
All hail the Crimson King
Eu vejo a torre e toda a escuridão que a rodeia Eu posso ver. Eu vejo a rosa e um par de olhos pesados sobre ela São os olhos vermelhos do rei. Eles cortam a escuridão como se a absorvessem. Do alto da torre eu observo o rei e ele é rubro Eu vejo a morte tecendo a sua teia por todos os andares da torre Eu posso ver. Vejo como os demônios que à habitam, saciam a sua lascividade Eles possuem um código entre si, uma ética, uma bússola moral que dissimuladamente aponta para os seus apetites, mas eles não sabem disso. Só eu posso ver. Vejo a torre pender vacilante a mercê dos feixes que ainda lhe restam Vejo a rosa que resplandece rubra como o rei, mas já quase vencida. Percebo que os mesmos porcos que se alimentam dela se liquefariam no mesmo instante em que ela tombasse Eu vejo o frágil e tênue equilíbrio que sustenta a nossa "metafísica”, eu vejo... Eu posso ver! E sei que apenas ao caos posso entregar a nossa sorte... Todos saúdam o Rei Rubro!
Minha Escuridão
Ontem pela manhã eu cavava um abismo Não um desses que se espera que em algum momento se possa alcançar o fim. Era uma cratera, bela pela magnitude mas nada além meu abismo particular Ao anoitecer meu corpo já era o próprio abismo O fundo dos meus olhos refletia toda a grandeza do vazio que cabe em mim Tudo era escuridão e a vida como a conheci misturava-se a noite Hoje pela manhã quando acordei meu corpo pendia sobre um abismo Não é como seu eu estivesse lá Eu estava de fato, todo eu pendurado e prestes a cair Quase me arrebentava em conjecturas sobre como fui parar ali como cavava, se cavava e porque? Agora meu corpo despenca pelos ares enquanto o meu espírito mortificado pela catarse rodopia em uma enganosa sensação de liberdade não há nada de livre em cair Meu corpo cai e não exerço qualquer influência sobre a gravidade que me subjuga Fui o homem dos abismos, os conheci de muitas maneiras e ainda assim me encerro sem nada de proveitoso saber a respeito nem das quedas, das trevas ou de mim.
Lágrimas
Meus olhos sempre carregarão águas... Como ansiar bom desfecho em trajetória tão amarga Sem ter onde repousar o queixo a cabeça pende... O corpo desaba... meus olhos sempre carregarão águas... Há de se escrever da vida, que apesar de fria ingrata ralhei com a dura fauna de homens tão covardes Jamais me assentei à mesa de quem por fiel a tristeza beijou o mal na face Mas nada disso importa, meus olhos sempre carregarão águas... Seja pelo mal que causei ciente ou mesmo quando contente, desfrutei da minha parte sem ver rasgado ao meu lado que gentes carentes padecem, cotidiano malgrado Mas nada disso importa, meus olhos sempre carregarão águas... No meio de toda essa moleza me pego especulando uma vez que já é de todos conhecido que em sina tão barata não é a vontade de vencer que aparta de todo a mortalha Peleja tão simplória! É certamente mais custosa do que é realmente necessária! É quase que como dar braçadas contra uma cachoeira E digo isso com propriedade Não fiado em ciências, fé ou qualquer adorno que o valha Também não é porque me faltem espelhos ou que o ego já me tenha tomado mas é que em matéria de sofrimento, nunca me faltaram ou hão de faltar intimidades quando mirei pela primeira vez a vida nos olhos foi a dor quem primeiro me veio beijar as mãos Mas nada disso importa, porque meus olhos... meus olhos sempre carregarão águas.
FAMÍLIA
Desata o nó e a corda densa onde pende o quadro alheio a dança Cansa... Cessa o coro, de volta a trança É fria a vaga labuta É eterna a rija trança duas das cordas me custam a estirpe A outra carrego presa ao ventre Sangra... As luzes e as vozes não me pesam mais que o físico O real é sempre mais amargo, intenso, vivo anseio esquálido teu doce alento para que breve seja a algoz liberdade. Que repouse fresca ao meu lado a amarra e eu encerre firme tão inútil batalha.
CAPITAL
Na enorme cova que a nós sepulta da alvorada da vida ao leito de morte opção não resta se não a fria luta para aqueles que dela nâo herdaram a sorte Se há quem ostente de abastado a alcunha é porque padecem outros para lhe ornamentar as vestes pobre o "cavaleiro da triste figura" empatia crua a emoldurada em preces Segue a prole a sangrar em vida enquanto de cima vangloriam-se os porcos mas há de bradar antes que finde-se a sina o povo desperto, "Felicidade ou morte!"