Dispersa

Joguei fora tudo que me prendia
Joguei fora as gravatas, sapatos e algumas camisas
Joguei fora um par de versos e muitas expectativas
Lancei ao vento meus documentos, cartas, fotos e a falsa alegria.
Mas não fiquei mais leve, nem me senti mais livre
Na verdade joguei fora o que já não me cabia
Porque ao que me parece
Na verdade era eu quem me prendia
É um erro grotesco o que cometo nesta escrita. O tempo verbal mal aplicado remete a ideia de passado e faz parecer que já não me assola o que antes me afligia, sou tão livre quanto era antes.
Escravo da minha própria agonia.

Boca

A boca corta o silêncio, apenas a tua, toca fere e afaga.
O cheiro (perfume) que ela exala, ela a boca, como em um feitiço. Desnorteia
Os lábios tanto os de baixo quanto os de cima aprisionam o prisma dos meus pensamentos.
Debaixo dela todo o corpo, ao qual me atrevo a chamar de resto se há aqui a carência da comparação.
Seja ela eterna na doçura ou na vingança (vulgar), nos cantares ou mal dizeres amo-te toda em teus palavrões ou muda em teus afazeres

Espaços

Entre os paços nas calçadas, espaços (entre aspas)
Algumas pessoas passam, outras se vão

Entre os cantos dos móveis, o vazio
Sempre há um vão
Algumas pessoas passam, outras sempre se vão

Entre bichos e rabiscos de gente
Figuras, retratos (papéis e folhas)
As pessoas sempre passam, Algumas se vão

Entre as pessoas que passam, os espaços dos móveis
e o vazio das calçadas; Uma única certeza me resta
Todas as pessoas passam e inevitavelmente se vão

REVERSO

Do sabor lascivo que me embota a boca ao calor
furtivo que me ata à forca
Há um intervalo frijo à cercar roca
tecendo o fino fio dessa existência oca
/--------------/
São rajadas que me escapam pelos olhos
embrazados como dois sóis, flagelo do que vejo
Mas escondem águas mornas que não
encantam, indigno ensejo
Já não sei se sou a fúria plástica que ama o
próprio desejo ou uma criança cega desejando
tudo que vejo.

FAMÍLIA

Desata o nó e a corda densa
onde pende o quadro alheio a dança
Cansa...
Cessa o coro, de volta a trança
É fria a vaga labuta
É eterna a rija trança
duas das cordas me custam a estirpe
A outra carrego presa ao ventre
Sangra...

As luzes e as vozes não me pesam mais que o físico
O real é sempre mais amargo, intenso, vivo
anseio esquálido teu doce alento
para que breve seja a algoz liberdade.
Que repouse fresca ao meu lado a amarra
e eu encerre firme tão inútil batalha.

CAPITAL

Na enorme cova que a nós sepulta
da alvorada da vida ao leito de morte
opção não resta se não a fria luta
para aqueles que dela nâo herdaram a sorte

Se há quem ostente de abastado a alcunha
é porque padecem outros para lhe ornamentar as vestes
pobre o "cavaleiro da triste figura"
empatia crua a emoldurada em preces

Segue a prole a sangrar em vida
enquanto de cima vangloriam-se os porcos
mas há de bradar antes que finde-se a sina
o povo desperto, "Felicidade ou morte!"

 

BRISA

 

Devolvo a ti todo amor que possuo,
digo devolvo porque não posso dar 
o que não fiz senão herdar, 
já que não houve escolha.
Cubro-te com minhas promessas 
que embora poucas são o que tenho,
Apenas elas...
Travo comigo uma enorme batalha 
para não adorna-la com os clichês que o amor me pede, 
daqueles que todos os amantes dizem as duzias...
Para você não, você não merece menos que o inédito...
O que é metade não lhe cai bem
Você quem reescreveu meus dias de maneira terna
e que transmutou meus abismos em quietude
e minhas diligências em conquistas...
De olhos fechados repouso sobre seus braços porque
entre todas as certezas, a unica que me convém
é que de mim, teu por inteiro, 
seja feita apenas a tua vontade.