A dor é líquida e incolor torrente que não deságua escoa por entre os ossos e congela; amarga A dor já não é apenas fria é também alva cristalina; maltrata Não se curva a analgésicos, mensagens motivacionais ou ao artifício do carma. Ela é viva e de tão viva mata Trata cada qual pelo seu nome e com uma intimidade chorosa, porém calma é a pré catarse, tempestade anunciada a dor é a própria vida que não quer na palavra outra coisa, senão arma.
Categoria: Depressão
Passageiro
A dor já não me permite escolher palavras O coração que me resta bate, mas falha Tento me ater as migalhas mas a tensão é grande O fio cede e a vida me escapa. Quero deixar claro, não transborda, vaza! Quem ou o que pode salvar o homem de si mesmo? Do ridículo da existência, do vazio dos propósitos ou da brevidade dos prazeres? Na falta de outra evoco minha palavra preferida FUGAZ!
NÁUSEA
Eu vomito palavras isso sim, vômito que palavra mais feia... mas quem foi que disse que só existem palavras bonitas Eu vomito filosofia Mas tem que ser das bem baratas porque como eu disse eu as vomito e eu costumo vomitar com frequência Eu também vomito traços, desenhos, rabiscos... Mas como era de se esperar, em sua maioria sujos... obscenos ...Coisas do cotidiano Mas eu não faço só expelir na vida há mais do que se botar pra fora Sobretudo para expurgar é preciso antes consumir ... e eu consumo Consumo a sua gramática, sua religião, suas onomatopeias sexuais (gentilmente) rotuladas como música. Eu consumo suas imagens motivacionais e principalmente o seu vazio aquele nauseado, instalado silenciosamente no canto. Eu os consumo Eu consumo você, querendo ou não... eu e você Por isso eu vomito e vomito tanto.
SUFOCO
Quantos pedidos de socorro são necessários para resgatar um homem do próprio abismo? Quantos deuses, preces, selfies ou livros? Quantas juras de amor, abraços ou ofertas de amizade? E o que dizer da arte em todo seu embuste? Sua afetação... Pode um quadro, uma foto, melodia ou verso bordar com nexo tão suntuoso abismo? Quanta filosofia é necessária pra tornar ao menos suportável todo o azedume dessa efêmera, porém dolorosa passagem do homem pelo mundo? Por fim vos pergunto, com a devida licença dessa barata metafísica: Quanta vida é necessária para que eu deixe de ver na morte o refrigério do mundo?
ESPECTRO
a minha alegria é falsa tão falsa quanto posso colorir meus olhos olhos de vidro se o poeta é aquele que turva as águas para que pareçam mais profundas o que dizer de alguém que obscurece toda uma vida enfeita o passado pra se afogar no próprio niilismo creio hoje que todos os olhos são vidro alguns refletem o próprio vazio e outros tantos optam pela palidez alheia mas enfim, vazios ocos pela própria vagueza da existência ou pela infindável limitação criativa intrínseca em mim eu voyuer da vida, voyeur de vidro voyeur de mim.
REVERSO
Do sabor lascivo que me embota a boca ao calor furtivo que me ata à forca Há um intervalo frijo à cercar roca tecendo o fino fio dessa existência oca /--------------/ São rajadas que me escapam pelos olhos embrazados como dois sóis, flagelo do que vejo Mas escondem águas mornas que não encantam, indigno ensejo Já não sei se sou a fúria plástica que ama o próprio desejo ou uma criança cega desejando tudo que vejo.
Minha Escuridão
Ontem pela manhã eu cavava um abismo Não um desses que se espera que em algum momento se possa alcançar o fim. Era uma cratera, bela pela magnitude mas nada além meu abismo particular Ao anoitecer meu corpo já era o próprio abismo O fundo dos meus olhos refletia toda a grandeza do vazio que cabe em mim Tudo era escuridão e a vida como a conheci misturava-se a noite Hoje pela manhã quando acordei meu corpo pendia sobre um abismo Não é como seu eu estivesse lá Eu estava de fato, todo eu pendurado e prestes a cair Quase me arrebentava em conjecturas sobre como fui parar ali como cavava, se cavava e porque? Agora meu corpo despenca pelos ares enquanto o meu espírito mortificado pela catarse rodopia em uma enganosa sensação de liberdade não há nada de livre em cair Meu corpo cai e não exerço qualquer influência sobre a gravidade que me subjuga Fui o homem dos abismos, os conheci de muitas maneiras e ainda assim me encerro sem nada de proveitoso saber a respeito nem das quedas, das trevas ou de mim.
Lágrimas
Meus olhos sempre carregarão águas... Como ansiar bom desfecho em trajetória tão amarga Sem ter onde repousar o queixo a cabeça pende... O corpo desaba... meus olhos sempre carregarão águas... Há de se escrever da vida, que apesar de fria ingrata ralhei com a dura fauna de homens tão covardes Jamais me assentei à mesa de quem por fiel a tristeza beijou o mal na face Mas nada disso importa, meus olhos sempre carregarão águas... Seja pelo mal que causei ciente ou mesmo quando contente, desfrutei da minha parte sem ver rasgado ao meu lado que gentes carentes padecem, cotidiano malgrado Mas nada disso importa, meus olhos sempre carregarão águas... No meio de toda essa moleza me pego especulando uma vez que já é de todos conhecido que em sina tão barata não é a vontade de vencer que aparta de todo a mortalha Peleja tão simplória! É certamente mais custosa do que é realmente necessária! É quase que como dar braçadas contra uma cachoeira E digo isso com propriedade Não fiado em ciências, fé ou qualquer adorno que o valha Também não é porque me faltem espelhos ou que o ego já me tenha tomado mas é que em matéria de sofrimento, nunca me faltaram ou hão de faltar intimidades quando mirei pela primeira vez a vida nos olhos foi a dor quem primeiro me veio beijar as mãos Mas nada disso importa, porque meus olhos... meus olhos sempre carregarão águas.
ALFA
Sentado em sua montanha sua boca calada jazia Era ele mais um espectro que humano, o tempo o talhou assim Havia nele muitas qualidades,mas já não fazia questão de demonstra-las. Seu novo passatempo era a rivalidade! Tudo que conflitasse com seu ego frágil deveria ser subjugado Era ele agora todo mal agouro, resignação e agressividade Repousava sisudo sobre a sua rede tecida a fios rubros (despojos) Já não mais se atrevia a mirar o próprio reflexo, tinha medo de que sua projeção de si mesmo não fosse fiel a realidade que ele com tanto zelo e afinco se empenhou em construir Vivia uma vida glutona, robusta, repleta do simples, tangível e pratico não se despendia com conjecturas e filosofias. Afinal era ele bruto, homem e macho!
CLAREIRA
Abro agora esses murchos olhos que outrora foram faróis Semi-abertos ou semi-cerrados, já não sei mais distinguir as minhas intenções Majoritariamente tudo não passa de um borrão uma massa disforme de luzes que parecem dançar aleatoriamente e vultos que eu presumo serem pessoas A julgar pela leveza com a qual estou sendo conduzido eu diria que estou em uma maca e provavelmente em um hospital Enquanto tudo é borrão não há com que se preocupar O problema reside é na solidez do dia seguinte... Abrir os olhos por completo e encarar os olhares inquisidores mirando-me descaradamente No fundo é como se a minha frustrada tentativa de descanso me transformasse em algo ainda pior aos olhos deles Mas quem se importa?! O legado dessa situação vai muito além da opinião alheia É uma lição, uma dura lição de que infelizmente não controlamos nem mesmo a antecipação da nossa morte ínfimos humanos!